70 ANOS DA PARTILHA
por Zevi Ghivelder
O dia 29 de novembro de 1947 ascendeu à condição de data histórica por
registrar a decisão da Assembleia Geral das Nações Unidas que adotou a
resolução de dividir a antiga Palestina em dois estados, um árabe, outro judeu.
Agora está sendo celebrado o 70º aniversário desta partilha que se desdobrou em
um sucesso e um fracasso.
Edição 98 - Dezembro de 2017
O sucesso corresponde à efetiva criação de Israel, no ano seguinte, e
que em sete décadas alcançou êxitos surpreendentes em todos os campos da
atividade humana na moldura de um estado democrático de direito. O fracasso diz
respeito à recusa dos árabes em aceitar os termos da partilha, tendo deixado de
estabelecer sua própria nação no território que lhes competiria, preferindo
submeter-se à soberania do rei Abdullah, da então Transjordânia, atual
Jordânia.
Entretanto, é importante assinalar que sobre o atual 70o aniversário
avulta outro, de 80 anos, igualmente relevante, que foi a semente do conceito
da implantação de dois estados na antiga Palestina. Trata-se da Comissão Peel,
constituída em maio de 1936 pelos mandatários britânicos, com a finalidade de resolver
os dramáticos problemas então existentes naquela região. Sete anos antes, uma
rebelião árabe havia massacrado judeus em Jerusalém, Hebron, Safed e outras
cidades, resultando em mais de uma centena de mortos e mais de 300 feridos. No
mesmo ano de 1936, os árabes promoveram uma greve geral no território sob
mandato, sabotando ferrovias, linhas telefônicas e bloqueando estradas, além de
incendiarem propriedades e plantações do ishuv (judeus
residentes na Palestina) e atacarem os ingleses com operações de guerrilhas.
A chefia da comissão foi confiada ao lorde William Peel, 69 anos,
destacado político e empresário inglês. A chamada Comissão Peel chegou à
Palestina em novembro, tendo os árabes desde logo anunciado que boicotariam
todas as suas ações. Os líderes do ishuv perceberam que seu
futuro estava ameaçado e preparam para apresentar à Comissão Peel um memorando
com 228 páginas e cinco apêndices, no qual esmiuçaram a história da Palestina e
seu vínculo ancestral com o povo judeu, as implicações legais e territoriais
que levaram à atribuição do mandato ao Império Britânico e os progressos
materiais e agrícolas alcançados pelos colonos judeus nos últimos vinte anos,
ou seja, desde a Declaração Balfour. (Trata-se de um documento emitido por Lord
Balfour, membro do gabinete inglês, em novembro de 1917, afirmando que o
governo de Sua Majestade era favorável à criação de um lar nacional judaico na
Palestina). A argumentação do ishuv enfatizava que há três
anos os nazistas estavam no poder na Alemanha e, portanto, eram graves as
ameaças que pairavam sobre os judeus.
Entre novembro de 1936 e fevereiro de 1937, Chaim Weizmann, David Ben
Gurion e Zeev Jabotinsky, líderes proeminentes do movimento sionista, prestaram
depoimentos perante a Comissão Peel. Uma leitura atual de suas palavras
demonstra que o sionismo jamais foi apresentado e defendido com tanto fervor e
precisão desde a atuação de Theodor Herzl no Primeiro Congresso Mundial
Sionista, quarenta anos antes. De todos, Ben Gurion foi o mais assertivo:
“Nossos direitos na Palestina não decorrem do mandato, nem da Declaração
Balfour. Nossos direitos estão no mandato da Bíblia que nós mesmos escrevemos
em nosso idioma, aqui nesta terra”. O depoimento de Jabotinsky foi em fevereiro
de 1937, na Câmara dos Lordes, com o recinto em Londres lotado e mais milhares
de pessoas fazendo vigília em torno do prédio. Weizmann também falou em
Londres, a portas fechadas, advertindo aos ingleses que eles se arrependeriam
das concessões que estavam sendo estendidas ao Mufti de Jerusalém, um declarado
aliado do regime nazista.
Por causa das repercussões internacionais alcançadas por esses
depoimentos, os árabes decidiram suspender o boicote à Comissão Peel e o
próprio Mufti testemunhou: “Tanto o mandato quanto a Declaração Balfour são inválidos
porque resultaram de pressões exercidas pelos judeus que querem reconstruir o
Templo de Salomão em nossas sagradas propriedades. A Palestina está plenamente
ocupada e não tem como acolher dois povos”. Nos meses seguintes, à medida em
que eram colhidos novos depoimentos, os membros da Comissão Peel começaram a
concluir que a solução mais plausível seria a partilha da Palestina em dois
estados. Chamaram Weizmann informalmente para ouvir sua opinião e este disse:
“Não estou autorizado a falar em caráter oficial. Mas acho que é uma boa ideia
e que deve ser levada adiante”. Em março, o parlamentar Winston Churchill
compareceu perante a Comissão e se opôs à partilha, argumentando que tal
divisão daria origem a uma guerra na qual os judeus da Palestina seriam
exterminados em face da abissal diferença numérica existente entre os dois
lados. Em junho, Sir Archibald Sinclair, líder do Partido Conservador da
Inglaterra, ofereceu um jantar a Chaim Weizmann ao qual compareceram Churchill,
o líder sionista britânico James de Rothschild e outros ilustres políticos.
Quando Weizmann se referiu à ideia da partilha, ainda em gestação, Churchill
foi incisivo: “Isso não passa de uma miragem. Vocês, judeus, têm que
perseverar, perseverar e esperar!”
No dia 7 de julho de 1937, o gabinete britânico divulgou o relatório da
Comissão Peel, com 435 páginas. O documento assinalou a conexão judaica com a
Palestina ao longo de três mil anos, as vantagens obtidas pelos árabes por
conta do fluxo do capital judaico investido na Palestina, pelo aumento da
população árabe nas áreas urbanas desenvolvidas pelos judeus, pelos novos
hospitais e clínicas que atendiam tanto a judeus quanto a árabes, além de
destacar que a ação dos judeus contra a malária beneficiava a todos na
Palestina, sem distinção. O documento ressaltou que no decorrer dos últimos
vinte anos os árabes não tinham se afastado sequer uma polegada de sua forma
contrária e irredutível ao abordar a Declaração Balfour e o mandato britânico.
Em outro trecho, o relatório afirmou que o maior problema não eram os ataques
dos árabes contra os judeus, nem contra os ingleses, mas os ataques dos árabes
contra outros árabes que não se submetiam às determinações sectárias do Mufti.
Mais adiante o documento diz que o nacionalismo árabe, em vez de emanar
de fatores positivos, só tinha como meta incentivar o ódio aos judeus. Mesmo
assim, foram acolhidos os nacionalismos de ambas as partes como movimentos
legítimos e, por fim, a Comissão Peel sugeriu uma tragicômica divisão da
Palestina: os judeus ficariam com 13% do território e os árabes com 80%,
cabendo o pouco restante ao Império Britânico, incluindo Belém e Jerusalém. A
Comissão sugeriu, ainda, que os árabes locais se incorporassem à então
Transjordânia.
O relatório acirrou ânimos entre os judeus, entre os árabes e também
entre os ingleses, chegando a atravessar o Atlântico. Lloyd George, chanceler à
época da Declaração Balfour, disse que adotar a proposta divisão seria a
“afirmação do fracasso da nossa política externa”.
Dezenas de parlamentares, mesmo os simpáticos ao sionismo, tendo à
frente Winston Churchill, também foram contrários. Nos Estados Unidos, o
célebre magistrado Louis Brandeis manifestou-se contra aquela proposta de
partilha e o fez por escrito numa carta endereçada a Felix Frankfurter, outro
famoso magistrado americano. Desgostoso, Weizmann escreveu em seu diário: “O
terrorismo árabe acaba de conquistar uma grande vitória”. No 20o Congresso
Mundial Sionista, reunido em Zurique poucas semanas depois da divulgação do
relatório, Chaim Weizmann pediu aos 484 delegados que aprovassem a partilha tal
como fora sugerida porque “trata-se de uma proposta revolucionária que abre
caminho para o nosso objetivo”. Ben Gurion também aprovou: “Por menor que seja
o estado, de uma forma ou de outra ele poderá ser expandido no futuro”. Depois
de acalorados debates, o plano da Comissão Peel foi aprovado por 300 votos
contra 158 e 26 abstenções. Por seu turno, os árabes rejeitaram a totalidade do
relatório e afirmaram que jamais reconheceriam um território judaico na
Palestina por menor que fosse. A violência árabe prosseguiu até 1939, quando os
ingleses emitiram o infame White Paper que além de proibir a
imigração de judeus para a Palestina também anulou o relatório da Comissão
Peel. Mas, a semente da solução por dois estados estava plantada e viria a
frutificar dez anos depois de sua concepção.
A Segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945, provocou um hiato nas
aspirações sionistas e o ishuv participou do conflito com a
criação da Brigada Judaica que lutou incorporada às forças britânicas. Finda a
guerra, do ponto de vista britânico, a situação na Palestina se tornara
insustentável. No mar, os ingleses faziam de tudo para interceptar os navios
da Haganá (exército clandestino judeu), que traziam imigrantes
ilegais para a Terra Santa, e muitas vezes não eram bem sucedidos. Em terra,
enfrentavam as ações da Irgun, organização também clandestina comandada por
Menachem Begin, que atacava e sabotava sem cessar grande número de alvos
militares britânicos, incluindo, com grande audácia, seu quartel-general no
hotel King David, em Jerusalém.
No dia 27 de janeiro de 1947, teve início uma série de reuniões em
Londres, com uma delegação árabe e outra judaica, separadamente. Após dez dias
de conversações, os ingleses apresentaram às partes a possibilidade de uma
prorrogação de quatro anos do mandato na Palestina, seguido de independência
para ambas as partes, caso chegassem a um posterior entendimento e permissão
para uma entrada limitada de judeus. Não houve acordo e em abril de 1947, o
chanceler Ernest Bevin, ferrenho adversário do sionismo, que já havia remetido
para o âmbito das Nações Unidas o problema da Palestina, decidiu jogar mais uma
cartada. Propôs a criação de uma Comissão Especial das Nações Unidas Para a
Palestina, a United Nations Special Committee on Palestine, ou
seja, a sigla Unscopem inglês, que, a partir de junho, percorreria a região e
apresentaria novas recomendações para a solução da questão entre árabes e
judeus. Bevin julgava que poderia manipular o comitê em favor dos árabes e de
seus próprios interesses.
A criação da Unscop agitou a delegação da Agência Judaica (órgão
representativo do ishuv), que se encontrava nos Estados Unidos para
acompanhar os trabalhos da ONU, instalada num grande rinque de patinação em
Flushing Meadows, perto de Nova York. A delegação tinha à frente Moshe Sharett
(futuro chanceler e primeiro-ministro de Israel) e seu braço direito, o
economista David Horowitz. Ambos decidiram que a Agência Judaica deveria ter
dois observadores junto à Unscop. Levaram este pleito à ONU, que o aceitou.
Horowitz seria um deles. Àquela altura, encontrava-se em missão em Amsterdã um
jovem de 32 anos de idade, militante da Agência Judaica em Londres, nascido na
África do Sul, chamado Audrey Sacks, que se tornaria uma celebridade mundial e
seria consagrado chanceler de Israel com o nome de Abba Eban. Chamado por
Sharett para ir a Nova York e integrar-se como o segundo observador na Unscop,
ele conta em sua autobiografia que voltou a Londres e correu para a livraria
Foyle’s onde comprou tudo que havia sido publicado até então sobre as Nações
Unidas e sobretudo sobre os seus procedimentos internos: “Foi a minha entrada
na arena internacional”. Pouco adiante acrescentou: “Como pressenti que o
trabalho a partir dos Estados Unidos seria longo, levei comigo, por minha
conta, minha mulher Suzy”. Em Londres, antes de partir, Eban narra que se
deparou com um ambiente imerso em rancor, a ponto de Bevin ter-se recusado a
receber Weizmann, o que era uma absurda quebra no comportamento tradicional da
chancelaria britânica. Além disso, membros da Câmara dos Comuns se mostraram
céticos quanto à missão da Unscop, tendo um deles afirmado que o problema da
Palestina só seria resolvido com guerra e não com um relatório. A propósito,
num trecho muito significativo da autobiografia, Eban escreve: “Um dos momentos
mais sensíveis da minha vida pública aconteceu quando eu, Horowitz e John
Kimche (historiador e jornalista judeu de nacionalidade suíça), fomos ao
encontro do diplomata egípcio Azzam Pasha, secretário-geral da Liga Árabe, no
hotel Savoy, em Londres. Horowitz foi o primeiro a falar. Disse que a
presença dos judeus no Oriente Médio era um fato consumado e que, mais cedo ou
mais tarde, os árabes teriam que aceitar essa realidade. Em seguida, apresentou
um plano de acordo político, de garantias mútuas de segurança e de cooperação
econômica. Azzam Pasha respondeu que o mundo árabe não estava propenso a nenhum
entendimento, acrescentando que o plano de Horowitz era lógico e racional, mas
que os destinos das nações não eram determinados por lógicas racionais. E
enfatizou que nações não concedem, lutam. Disse que talvez os judeus poderíamos
conseguir algo, mas que isso só daria através da força das armas, razão pela
qual os árabes tentariam nos derrotar e porque qualquer acordo só seria
aceitável segundo os termos da Liga Árabe”. Em seguida, conforme Eban escreve,
Pasha foi dura e francamente explícito: “O mundo árabe vê os judeus como
invasores e está pronto para lutar contra vocês”. Depois de duas horas de
conversa, Kimche, Horowitz e Eban chegaram à rua atônitos. Eles não haviam
percebido nenhum sinal de ódio nas palavras de Azzam Pasha que, inclusive, se
referira aos judeus como primos. O que lhes aterrorizou foi a impassível postura
árabe no sentido de ignorar a lógica, até mesmo a lógica do rancor, dando lugar
a um cego fatalismo.
Chegando em Nova York, Eban juntou-se a Horowitz e os dois se dedicaram
a analisar os onze nomes internacionais indicados para a constituição da Unscop.
Chegaram à conclusão de que, com poucas exceções, não eram homens públicos ou
diplomatas de primeira grandeza. O presidente do Comitê era o sueco Emil
Sandstrom, juiz da Suprema Corte de Estocolmo em fim de carreira, mas uma
pessoa conhecida por suas posições humanitárias. Nicholas Blum, da Holanda,
tinha sido governador das Índias Orientais, atual Indonésia. Uma figura central
era o juiz da Suprema Corte canadense Ivan Rand, magistrado probo e
independente. O diplomata John D.L. Wood representava a Austrália e assim Eban
se refere na autobiografia aos três indicados da América Latina: “Salazar, do
Peru, era um estereótipo de embaixador de cinema, cabelos brancos, taciturno,
austero e dono de um ar de mistério decerto adquirido no Vaticano, aonde servira.
O dinâmico e loquaz Rodriguez Fabregat era do Uruguai e García Granados, da
Guatemala, tinha experiência com os britânicos no que se referia ao conflito de
seu país a respeito do território de Belize”. O nomeado da Checoslováquia foi
Karl Lisicky, incerto quanto ao futuro de seu país, prestes a ser dominado pela
União Soviética. Da Iugoslávia incorporou-se Vladimir Simic, diplomata
veterano. O mundo islâmico se fez representar pelo indiano Sir Abdul Rahman,
que, segundo a descrição de Eban, “era 120% britânico no sotaque e nos
maneirismos” e o persa Nazrollah Entezam, diplomata de primeira categoria. A
Unscop foi oficialmente confirmada pelas Nações Unidas no dia 15 de maio de
1947 e desembarcou na Palestina um mês depois. Abba Eban descreve uma escala em
Malta, protetorado britânico, onde por controle remoto de Bevin, o Comitê foi
tratado com uma descortesia que beirou à hostilidade.
Dos dias 18 de junho a 3 de julho a Unscop percorreu Jerusalém, Haifa, o
Mar Morto, Hebron, Beersheva, Gaza, Jaffa, a Galiléia, Acre, Nablus, Tel Aviv,
Tulkarm e Rehovot, além de visitar dezenas de kibutzim (colônias
agrícolas coletivas). As audiências públicas da Unscop, constantes de
depoimentos de judeus e árabes, aconteceram de 4 a 17 de julho, tendo a Agência
Judaica apresentado um inacreditável total de 32 toneladas de documentos. As
oitivas foram tão extensas que até mesmo o Partido Comunista da Palestina teve
espaço para manifestar sua posição contra o sionismo.
No dia 19 de julho, parte dos membros da Unscop se deslocou até o porto
de Haifa, aonde estava em curso o drama do navio Exodus, cujos
4.554 passageiros, sobreviventes do Holocausto, fizeram uma greve de fome que
emocionou o mundo, mas mesmo assim foram impedidos pelos ingleses de pisar o
solo da Terra Santa e deportados à força de volta para a Europa. Os componentes
do Comitê ficaram horrorizados com o macabro espetáculo que presenciaram e
ficaram ainda mais sensibilizados quando ouviram o testemunho do reverendo
cristão John Stanley, que estivera a bordo do Exodus e
implorou à Unscop que decidisse em favor dos judeus. Anos mais tarde, Golda
Meir declarou que a intervenção de Stanley tinha sido crucial para a criação do
Estado de Israel.
Depois da Palestina, a Unscop foi para o Líbano, onde foi recebida pelo
primeiro-ministro Riad al-Sohld e pelo chanceler Hamid Franjieh, e manteve
prolongada conferência com representantes da Liga Árabe e breve encontro com
maronitas cristãos favoráveis ao sionismo. Em seguida, parte dos componentes do
Comitê rumou para a Transjordânia com audiência marcada com o rei Abdullah. O
monarca declarou que via com muita dificuldade a aceitação por parte dos árabes
do estabelecimento de um estado judeu na Palestina, mas que ele mesmo não era
completamente contrário a tal hipótese e que se a mesma se concretizasse, os
palestinos deveriam fazer parte de seu reino.
O passo seguinte da Unscop, no dia 26 de julho, foi na direção de
Genebra, de onde saiu um sub-comitê para percorrer as zonas da Alemanha e da
Áustria ocupadas pelos britânicos e entrevistar centenas de sobreviventes
judeus, mantidos em campos de refugiados. Mais de 90 por cento responderam que
queriam emigrar para a Palestina. Nas semanas seguintes, a Unscop deu início à
tarefa de redigir seu relatório final que constou de dez recomendações, sendo a
primeira o fim do mandato britânico da Palestina e outras disposições de
natureza econômica, além de dispor claramente que o território deveria ser
partilhado entre árabes e judeus, conforme o estipulado e de acordo com um mapa
anexado. A cerimônia de assinaturas do documento, em ordem alfabética, pelos
onze membros da Unscop foi completada no Palácio das Nações, em Genebra,
faltando 15 minutos para a meia-noite do dia 31 de agosto de 1947. O
secretariado das Nações Unidas contabilizou que desde o dia de sua investidura
até o final dos trabalhos, a Unscop havia recebido 27 mil comunicações, entre
cartas e cartões postais. A Palestina a ser dividida contava com uma população
de 1 milhão e 200 mil árabes e 570 mil judeus, cabendo às Nações Unidas a
tutela de Jerusalém. O futuro Estado Judeu ficaria com 55% do território e 58%
do total de seus habitantes. O Estado Árabe, com 45% da área e 99% dos
habitantes. A decisão final sobre a partilha caberia à Assembleia Geral.
Abba Eban escreveu em sua autobiografia: “Nós tínhamos bons aliados. O
presidente da Assembleia, Oswaldo Aranha, do Brasil, estava religiosamente
devotado ao conceito da existência de um estado judaico. Ao seu lado estava a
sólida e rotunda figura do secretário-geral, Trygve Lie, que tinha um interesse
duplo em nosso sucesso: era necessário um acontecimento que desse ressonância
às Nações Unidas na opinião pública mundial e, como socialista norueguês, tinha
acompanhado de perto as perseguições nazistas em seu país”. David Horowitz e
Moshe Sharett mais outros militantes trabalhavam 24 horas por dia. Telefonemas,
cartas e telegramas percorriam febrilmente os continentes. Era preciso
encontrar alguém nas Filipinas que tivesse acesso ao presidente e alguém, nos
Estados Unidos, que fosse amigo do presidente da Libéria. Faltava convencer
diversos países da América Latina e, muito mais difícil ainda, atrair a França
e a Bélgica para a causa sionista. Dentre os embaixadores de fala espanhola,
García Granados, da Guatemala, ex-Unscop, foi um gigante na defesa da causa
sionista.
No dia 27 de novembro, quando a Assembleia Geral se reuniu, os líderes
judeus eram uma só depressão. Se houvesse a votação, estava longe a possibilidade
de serem alcançados os dois terços dos votos. A única alternativa era pedir aos
embaixadores dos países favoráveis à partilha que ocupassem a tribuna e
discursassem o máximo possível para que o horário extrapolasse, obrigando o
adiamento da sessão. O representante do Uruguai, Rodriguez Fabregat, também
ex-Unscop, foi particularmente brilhante, falando por longo tempo, sem, no
entanto, deixar transparecer que se tratava de uma obstrução. Ao anoitecer,
Oswaldo Aranha cedeu aos apelos da liderança judaica e num gesto amigável deu a
sessão por encerrada. O dia seguinte seria feriado nos Estados Unidos, o Dia de
Ação de Graças, e, portanto, a Assembleia só voltaria a se reunir dois dias
depois. Esse intervalo de 24 horas acabou se tornando crucial. Foi nesse tempo
que, a exemplo de outros países, as Filipinas e a Libéria asseguraram seus
votos pela partilha. A França, inclinada a votar contra, dava sinais de que
poderia mudar de ideia. À última hora, o chefe da delegação árabe, o libanês
Camile Chammoun, desencavou uma resolução do comitê político das Nações Unidas,
através da qual uma comissão formada pelos embaixadores da Austrália, Tailândia
e Islândia tentaria uma solução de compromisso entre as partes. O relatório
final caberia ao islandês Thor Thors.
Na manhã do dia 29 de novembro de 1947, o embaixador da Tailândia,
Príncipe Wan, deixou Nova York às pressas, alegando que havia um princípio de
revolução em seu país. Foi a maneira que encontrou para fugir à pressão árabe
de votar contra a partilha.
De qualquer maneira, a sessão seria aberta por Thor Thors; Abba Eban
decidiu procurá-lo de manhã cedo no Hotel Barclay. Disse-lhe que se o povo
judeu triunfasse com a partilha, estaria realizando um sonho duas vezes
milenar. Se fracassasse, esse sonho poderia ficar extinto por muitas gerações.
Tudo dependeria da atmosfera que viesse a ser criada por ele na abertura dos
trabalhos. A emocionada resposta de Thors deixou Eban desconcertado. Ele disse
que a Islândia estava menos remota do destino judaico do que se poderia supor
porque a cultura de seu país estava impregnada de lições bíblicas, porque seu
povo lutava contra terríveis adversidades da natureza e, portanto, bem
compreendia a luta dos judeus.
À tarde, era indescritível a tensão nas Nações Unidas, com frenéticos
repórteres, fotógrafos e cinegrafistas de todas as partes do mundo, os
embaixadores sendo assediados nos corredores, as galerias lotadas. Aberta a
sessão, Oswaldo Aranha deu a palavra a Thor Thors. O embaixador islandês
declarou de forma imperativa estar convencido de que era impossível um acordo e
que cabia à Assembleia Geral tomar uma decisão. Camille Chamoun ainda tentou
obter novo adiamento, mas foi obstado por Aranha, apoiado pelos embaixadores
Herschel Johnson, dos Estados Unidos, e Andrei Gromiko, da União Soviética.
Quando os discursos terminaram e Oswaldo Aranha deu início à votação,
chamando os países por ordem alfabética, um manto de solenidade cobriu a
Assembleia. Os votos foram-se alternando, mais para “sim” do que para “não” e a
vitória sionista tornou-se evidente quando a França disse “oui”. Ao
término, Aranha declarou com voz firme: “São 33 a favor, 13 contra, 10
abstenções e uma ausência. A resolução está adotada”. Já era madrugada em
Jerusalém. A multidão dançava e cantava nas ruas. Sozinho em seu gabinete da
Agência Judaica, David Ben-Gurion mantinha a cabeça abaixada e coberta pelas
palmas das mãos. Ele avistava a fumaça de uma guerra terrível que viria e que
não poderia ser evitada.
BIBLIOGRAFIA
Eban, Abba, An Autobiography, Random House,
1977.
Gavison, Ruth, The Two-State Solution,
Bloomsbury Academy, 2013.
Louis, William Roger e Stookey, Robert M., The
End of the Palestine Mandate, University of Texas Press, 1988.
Cohen, Michael J., Palestine and the Great
Powers 1935-1948, Princeton University Press.
Zevi Ghivelder é escritor e jornalista
Os votos
Votação referente à Partilha da Palestina na Assembleia Geral das Nações
Unidas, no dia 29 de novembro de 1947
A favor: 33
África do Sul, Austrália, Bélgica, Bolívia, Brasil, Bielorússia, Canadá,
Checoslováquia, Costa Rica, Dinamarca, Equador, Estados Unidos, Filipinas,
França, Guatemala, Haiti, Holanda, Islândia, Libéria, Luxemburgo, Nicarágua,
Noruega, Nova Zelândia, Panamá, Paraguai, Peru, Polônia, República Dominicana,
Suécia, Ucrânia, União Soviética, Uruguai e Venezuela.
Contra: 13
Afeganistão, Arábia Saudita, Cuba, Egito, Grécia, Iêmen, Índia, Irã,
Iraque, Líbano, Paquistão, Síria e Turquia.
Abstenções: 10
Argentina, Chile, China, Colômbia, El Salvador, Etiópia, Honduras,
Iugoslávia, México e Reino Unido.
Ausência: 1
Tailândia
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